Artigos de Livros

Historia Viva – Caminhos do Trem

Em “Caminhos do Trem” da revista Historia Viva, foram publicados edições em seis volumes. No primeiro volume, com o subtítulo “ Origens e Nos Trilhos do Café”, tendo como organizador Pedro Vasquez da São Paulo –Duetto Editorial, 2008. Rica de lindas e históricas fotografias: de estações, máquinas, locomotivas, vagões e composições desde o vapor ao elétrico. Vale a pena adquirir estes preciosos números da revista, cujo preço estampado na capa indica ser de R$12,00 por volume.

Como nem todos comprarão estas revistas históricas, pretendemos reproduzir trechos que achamos mais importantes. Recebemos as revistas como valioso presente de Natal do nosso amigo e conterrâneo Sebastião Fernandes, ex-presidente da Academia de Letras e sócio atuante da Casa das Cultura de Manhuaçu-MG, genro do Ex-Governador do Distrito 4580 do Rotary Clube Silas Agripino Heringer. Assim, pretendemos brindar nossos leitores com algumas transcrições sobre este tema atual e importantíssimo do transporte ferroviário, como a seguir:

Apresentação

“Nos trilhos da Historia. A trajetória das estradas de ferro no Brasil, desde a ferrovia pioneira inaugurada no Rio de Janeiro em 1854, até as perspectivas para o século XXI, com os projetos dos trens-bala e dos trens de levitação magnética, encontramos: “O Brasil detém hoje o triste recorde mundial de acidentes mortais no trânsito e, por outro lado, os engarrafamentos – em particular os da cidade de São Paulo – não param de crescer, tornando penoso o ir e vir ao trabalho e estragando os feriados ao duplicar ou mesmo triplicar, o tempo de uma viagem que pretendia ser de lazer e não de sofrimento e estresse.

Hoje, morrem por ano no Brasil cerca de 50 mil pessoas, o mesmo total de toda a União Européia! Para se ter uma ideia da dimensão de morticínio nacional basta lembrar que somos apenas 180 milhões de pessoas que possuem cerca de 35 milhões de veículos, enquanto os 495 milhões de habitantes da União Européia possuem 218 milhões de veículos.

Portanto, não seria preciso chegar a esse ponto para percebermos a inviabilidade do modelo “rodoviário” brasileiro, que tende a piorar caso s continue a incentivar o financiamento de carros em prazos de quatro a cinco anos, despejando milhares de novos veículos a cada mês em ruas congestionada ou em estradas esburacadas e abandonadas. Não é preciso ser gênio para perceber que o culto ao automóvel instaurado na década de 60 deve ser seriamente reavaliado, sobretudo quando mais uma vez andamos na contramão da Historia, no momento em que os países mais adiantados multiplicam os programas para desestimular o uso de veículos particulares nos centros urbanos.

Assim, se dedicamos hoje uma série especial à saga do trem no Brasil, não o fazemos com uma perspectiva saudosista ou rancorosa. Não estamos interessados no “eu não falei”? nem em apontar culpados ou em ficar remanchando os dias gloriosos do passado do transporte ferroviário, e sim em evocar a rica epopeia das ferrovias brasileira, de forma a contribuir com o debate que ora se reacende em favor do transporte coletivo.

Isso porque não devemos apenas valorizar os trens interestaduais de passageiros e seus “descendentes” mais modestos, os trens suburbanos e o metrô. É tempo de pensar no transporte coletivo como um todo, incluindo-se aí os ônibus (municipais, estaduais, interestaduais e internacionais) e suas controvertidas “primas-pobres”, as vans, que atendem muitas vezes com maior eficiência, ás necessidades dos passageiros, em especial nas periferias urbanas.

Os espíritos mais antenados na área do transporte e do planejamento urbano já falam na implantação dos chamados trens-bala interligando as capitais brasileiras , a começar por São Paulo e Rio de Janeiro, percurso para o qual já existe até mesmo um estudo de viabilidade e interesse manifesto por parte de empresas nacionais e estrangeiras. Em paralelo, pensa-se na possibilidade de adoção de trens de levitação magnética para desafogar o transporte urbano e suprir carências que o metrô não tem condições econômicas ideais. Em suma, como todo momento de crise, esse é o momento ideal para pensar em soluções arrojadas e de longo prazo.

Ninguém dá um salto para a frente sem recuar alguns passos para tomar impulso, da mesma forma que pais nenhum dá um grande salto para o futuro sem ter os pés bem fincados no terreno sólido das experiências do passado. Foi pensando nisso que Historia Viva resolveu fazer está serie de especiais sobre o transporte ferroviário, evocando os acertos do passado, efetuando um balanço do presente e até arriscando alguns prognósticos do futuro. È uma contribuição ao debate que leva em consideração os sentidos figurados da palavra trilho no Brasil, os de orientação, rumo, sentido, tendência e vertente”.

“ O Panorama Visto da Ponte Ferroviária. Quando olhamos para trás, percebemos que o período imperial acolheu o trem com entusiasmo irrestrito, rasgando ferrovias nas mais diversas direções em todos os quadrantes do pais. Entusiasmo em que, longe de ser desmentido, pelos primeiros republicanos, se intensificou durante a Primeira República, em que algumas iniciativas ultrapassaram as raias do arrojo para enveredar pelo verdadeiro desatino – em articular a célebre “ferrovia do Diabo”, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que tantas vidas ceifou. Mas esses foram casos isolados e de certa forma esperáveis, posto que é impossível existir uma saga sem uma certa dose de desatino e de tragicidade, e a construção de ferrovias, por constituir um dos maiores desafios da engenharia, foi arriscada e sacrificante em todo o mundo.

Os mais apressados costumar crucificar Juscelino Kubitschek como o grande algoz do trem no Brasil, mais essa visão nos parece simplista. Ao apostar todas as fichas na criação da indústria automobilista nacional e de uma ampla rede de estradas de rodagens, JK privilegiou o transporte rodoviário de forma óbvia e destacada. Mas, nem por isso, elaborou um plano contra as estradas de ferro, limitando-se a deixá-las em segundo plano, enferrujando e se deteriorando como já vinham fazendo desde a Era Vargas, momento em que verdadeiramente o trem pegou seu desvio fatal para um ramal sem saída.

Ramal no qual permaneceu esquecido e injustiçado durante sucessivas administrações, que pouca atenção lhe concederam, a não ser em dois momentos específicos: em 1957, quando foi criada a Rede Ferroviária Federal; e entre 1996 e 1998, quando a RFFSA foi privatizada. É interessante lembrar que, ao ser implantada, a Rede Ferroviária Federal incorporou um total estimado de mais de 37 mil km de vias férreas. E, ao ser desativada, ela possuía estimados 25.599 km de trilhos, o que significa que mais de 12.400 km de trilhos haviam sido corroídos pelo abandono e o descaso… Esses, sim, os verdadeiros algozes da ferrovia no Brasil.

Tudo isso merece reflexão, mas vamos ao que merece comemoração: o passado glorioso das ferrovias brasileiras. Nesta série de seis edições especiais da revista História Viva, os leitores encontrarão um retrospecto completo sobre o assunto, desde a implantação da primeira ferrovia por Irineu Evangelista de Souza, até a construção das ferrovias destinadas a facilitar a integração continental, como , por exemplo, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Encontrarão também um apanhado fascinante sobre a influência do café no crescimento das ferrovias paulistas e no surgimento dos chamados “barões do café”, que transformaram uma antiga província modorrenta no estado que é tão poderoso quanto um país.

Encontrarão artigos exaltando as invulgares proezas da engenharia ferroviária brasileira -, trazendo o progresso para regiões ermas e inexploradas e fazendo florescer cidades e povoações ao logo das diferentes linhas férreas. Conhecerão também em detalhe a contribuição dada pelas ferrovias para o surgimento da primeira categoria de trabalhadores qualificados do Brasil, os ferroviários, que anteciparam com suas greves e reivindicações diversas conquistas trabalhistas que hoje beneficiam todos nós. Encontrarão, em suma, um amplo e detalhado resumo do universo ferroviário nacional, estabelecido por estudiosos das estradas de ferro e da memória ferroviária, especialmente convidados para nos guiar neste percursos verdadeiramente inesquecível. (Pedro Vasquez – Editor)

No tempo das Ferrovias

Uma cronologia do trem e do seu impacto nas comunicações mundiais, desde a criação da máquina movida a vapor d’água e da primeira locomotiva até a construção do protótipo do Maglev-Cobra, trem de levitação magnética. 1689- O físico francês Denis Papin constrói a primeira máquina movida pela força do vapor d’água; 1770- O escocês James Watt inventa máquina a vapor tal como a conhecemos hoje; 1776- Os trilhos de madeira são substituídos pelos de ferro nas minas de carvão de Shropshire, Inglaterra; 1784- O inglês William Murdoch descobre que o vapor poderia fazer girar rodas de um veículo, e fabrica um triciclo movido a vapor; 1803- Começa a funcionar a primeira ferrovia de carga com tração animal: a Surrey Iron Railway, na Inglaterra; 25/7/1814- Surge a primeira locomotiva a vapor, a Blucher, fabricada pelo inglês George Stephenson. A máqiina percorre 13 km entre Killingsworth e Hetton, puxando 30 t der carvão.

É o começo da era das ferrovias; 1822- Nasce em Newcastle, Inglaterra, a primeira fábrica de locomotivas, a Robert Stefhenson & Co., que leva o nome do filho de George; 15/9/1830- A ferrovia de 50 km entre Liverpool e Manchester é inaugurada pela locomotiva Rocket, com a qual Stepheson havia ganhado um prêmio de velocidade (22,5 km/h) um ano antes; 1830- É inaugurada a primeira linha férrea nos Estados Unidos, ligando Charleston a Hamburg, na Carolina do Sul. A locomotiva foi fabricada por Horation Allen”.

“ 1840- O médico inglês Tomas Cochrane obttém o direito de explorar por 80 anos uma ferrovia que ligaria o Rio de Janeiro a Minas Gerais e São Paulo. Mas não consegue levantar capital para a empreitada;

27/4/1852- O empresário Irineu Evangelista de Souza, futuro barão de Mauá, obtém a concessão para levar os trens do Porto de Estrela, na Baia de Guanabara, até Raiz da Serra, em direção a Petropolis; 30/4/1854- O Brasil tem, enfim, sua primeira ferrovia. Baroneza, a locomotiva número um, percorre os 14,5 km da Estrada de Ferro Petrópolis, depois denominada E.F. Mauá. O percurso, vencido em 23 minutos, ligava Porto da Estrela a Fragoso (RJ);

1855- É fundada, em maio, a Companhia Estrada de Ferro Dom Pedro II e tem início a construção da ferrovia de mesmo nome; 1856- A E.F. Mauá chega a Raiz da Serra, com um total de 16,1 km de trilhos;

8/2/1858- Apita o primeiro trem da Recife and São Francisco, segunda ferrovia brasileira, ligando a capital de Pernambuco ao município de Cabo;

1864 – Os engenheiros da E.F. Dom Pedro II perfuram 2.236 metros de rocha e inauguram o Tunel Grande. É o maior túnel brasileiro;

1867— Bolivia e Brasil firmam o Tratado da Amizade, que dá inicio à empreitada da E.E.Madeira-Mamoré;

1869- George Westinghouse patenteia o sistema de freio a ar, que viria a substituir os freios a vácuo e manuais;

1873- O americano Eli Janney inventa o engate automático para atrelar os vagões, evitando assim o problema das mutilações dos funcionários encarregados desse serviço;

8-10-1874- São entregues os primeiros 27 km de trilhos da Companhia Estrada de Ferro Leopoldina, que ligaria Porto Novo do Cunha(RJ) a Leopoldina (MH) três anos depois;

8/7/1877- O Rio se liga a São Paulo: a Estrada de Ferro Dom Pedro II se une à ferrovia Santos-Jundiaí;

1889- Com a Proclamação da República a E.F. Dom Pedro II passa a se chamar E.F.Central do Brasil;

1935- A São Paulo Railway lança um trem com tração diesel-eletrica, o Cometa. É o inicio da substituição gradual do vapor; 1942- É criada a Companhia Vale do Rio Doce, que absorve a E.F. Vitória –Minas, modernizando-a.

16-3-1957- O governo federal unifica a administração das 2 ferrovias da União pela lei 3.115, criando a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), com um total de 37 mil km de trilhos;

1971- O governo de São Paulo cria a Ferrovia Paulista S.A (Fepasa), que une as linhas da Sorocabana, Mogiana, Araraquara, São Paulo-Minas e Cia. Paulista, num total de 5 mil km de trilhos;

28-2-1985- A Vale e do Rio Doce inaugura a Estrada de Ferro Carajás, que corta parte da Amazônia e liga Carajás(PA) a São Luís(MA),com um total de 892 km de trilhos;

1989 – É inaugurado o trecho inicial da Ferrovia do Aço (que deveria ligar São Paulo a Belo Horizonte);

10-3-1992- A RFFSA é incluída no Plano Nacional de Desestatização (PND);

1996- Começam os leilões dos 25.599 km da malha da RFFSA;

1998- A Fepasa é incorporada à RFFSA e leiloada; a malha é arrematada pela Ferrovia Bandeirate S.A (Ferroban);

1998- Conclusão do processo de Desestatização das ferrovias;

1999- A RFFSA é extinta;

2002- A Ferroban e outras empresas ferroviárias formam o Grupo Brasil Ferrovias;

2005- Conclusão do protótipo em escala reduzida do Maglev-Cobra, trem de levitação magnética.Séculos em Marcha Lenta. Três meses para ir do Rio de Janeiro a Cuiabá: esse era o ritmo da circulação de pessoas, informações e mercadorias pelo interior do Brasil, antes do surgimento do trem.

(Por Milton Carlos Costa e Aryane Cararo) Em um mundo sem o apito do trem e desprovido da industria automotiva, no qual Alberto Santos Dumont ainda não havia nascido e a sociedade desconhecia a expressão “transporte de massa”, de que forma aconteciam as comunicações e os deslocamentos de mercadorias e passageiros? Por charretes, carroças e caravelas, responderiam os filmes ambientados no período anterior à Revolução Industrial, no século XVIII. Porém, os livros de historia revelaram que a precariedade do transporte de pessoas e cargas era muito maior que o colorido das películas convencionou mostrar. Até o surgimento do trem, a lentidão na locomoção entravou as relações humanas e, sobretudo, as comerciais.

Um carro puxado por cavalos e cavaleiros patinando na lama era uma cena comum na Europa anterior à era das ferrovias e das rodovias. Episódios semelhantes, até piores, ocorriam em todos os continentes até os primórdios do século XIX. Na época moderna, período que se estendeu do século XV à Revolução Francesa (1789), a morosidade ainda era característica que melhor definia os meios de transporte, impondo um limite permanente ao crescimento da economia.

Até mesmo a navegação, altamente praticada desde a Idade Média para a troca de mercadorias em maior escala, tinha suas limitações. No século XVIII as mercadorias eram transportadas por pessoas e animais, como acontecia na antiguidade. As naus portuguesas, autênticos gigantes oceânicos, chegavam a deslocar, no século XVI, 200 toneladas. Mas grandes tonelagens constituíam, na verdade, um luxo. Só com o emprego do ferro na confecção dos cascos dos navios, por volta de 1840, é que foi possível aumentar essa capacidade. Não bastasse o reduzido volume para carga, as viagens por mar sofriam com a inconstância dos prazos, já que os ventos regulavam os trajetos – e a velocidade – dos navios.

Na falta de cavalos, raros na Colônia entre os séculos XVII e XIX, a circulação de mercadorias e passageiros em terra era feita por um meio bastante peculiar: o lombo de homens. Escravos negros, índios e mamelucos formavam o pelotão de carregadores denominado de “bestas humanas”, que atuavam principalmente nos deslocamentos de São Paulo a Santos e de Minas Gerais à Bahia e ao Rio de Janeiro. Conforme consta no termo de vereação de 30 de Juno de 1721, nas atas da Câmara Municipal de São Paulo, alugavam-se carregadores humanos para ir às Minas por um preço que variava entre 16 e 20 mil réis, gastando-se de três a quatro meses na viagem. No cangote ou em redes, as “bestas humanas” transportavam pessoas, alimentos e o metal precioso.

Foi, por sinal, o ouro das minas, que impôs a exigência de um sistema de transporte mais eficiente e de meios de ligação menos traumáticos. Nos primeiros anos do século XVIII, por exemplo, o sertanista Garcia Rodrigues País – filho do Caçador das esmeraldas”, Fernão Dias Pais – abriu entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro uma estrada para escoar o ouro, o Caminho Novo. Nessa época, as minas já haviam sido invadidas por aventureiros de todos os cantos do Brasil e começava-se a sentir claramente os efeitos da precariedade de circulação, visto que, em decorrência da falta de um sistema adequado de circulação de mercadorias e, sobretudo, de gêneros alimentícios, os mineiros começaram a padecer de fome.” P. 19.

“ Os cavalos criados no Nordeste, em especial na Bahia, em Pernambuco e no Piauí, não chegavam para a demanda. Por outro lado, na região platina, ao sul do país, havia gado, mulas, éguas e cavalos selvagens à vontade. Foi preciso que os bandeirantes começassem a enxergar nesses animais uma atividade mais lucrativa do que a caçada aos índios para que os primeiros equinos do Sul aportassem em São Paulo e em Minas Gerais.

Segundo o historiador José Alípio Goulart, foi por volta de 1730 que isso aconteceu. Nesse ano, há registros de que o coronel Cristovão Pereira de Abreu chegou a São Paulo com 800 equínos e retornou ao Sul acompanhado por 130 homens para voltar à capital paulista, dois anos depois, com mais 3 mil cavalos. Foi ele quem recebeu a incumbência de abrir a Estrada Real, ou Caminho do Viamão, ligando os campos gaúchos ao planalto paulista, dando assim inicio ao ciclo do tropeirismo.

Durante todo o século seguinte, os muares seriam o principal meio de transporte de cargas da economia brasileira. Vindas do Rio Grande do Sul, as tropas atravessavam Santa Catarina, passavam pelo posto de registro em Curitiba(PR) e chegavam a São Paulo para a Feira de Sorocaba – e ali eram vendidas para varias regiões, principalmente Minas Gerais e Rio de Janeiro. O tráfego era intenso por esse caminho. As atas de registro de Curitiba mostram que 6.559 cavalos e 2.380 mulas passaram por ali em direção a Sorocaba só no ano de 1751.

Mas esse não pode ser considerado um retrato 100% fiel do comercio muar e equino: por causa das taxas pagas pelo “direito de passagem” de cada animal, muitos tropeiros desviavam do caminho para evitar as praças de “pedágio”. Não há ideia de quantos animais escapavam dos impostos, mas sabe-se que o contrabando era grande , especialmente durante o governo imperial (1822—1889 ) – quer tinha nessa atividade comercial uma importante fonte de recursos.

Gradualmente, mulas e burros tornaram-se mais atraentes que os cavalos e passaram a superá-los nas cifras de “exportação”. Nada mais natural: enquanto o muar podia transportar uma carga de até 12 arrobas de 15 kg, o cavalo só aguentava seis, em média. Isso provocou reação dos criadores de cavalo nordestinos, que exigiram providências. Foram atendidos com a Carta Régia de 19 de junho de 1761, que proibida o uso e a existência de muares em território nacional. Em vez de acabar com o melhor meio de transporte que o Brasil Colônia possuía, a medida apenas intensificou o contrabando e, por isso, foi revogada três anos mais tarde.

Por essa época, chegavam a Sorocaba mais de 5 mil mulas e burros por ano, segundo relata o historiador Aluisio de Almeida. De 1780 a 1800, os números já haviam ultrapassado 10 mil cabeça anuais. No período compreendido entre a chegada da corte portuguesa (1808) e a Independência (1822), a feira foi abastecida por mais de 20 mil muares a cada ano. De 1826 a 1845, foram mais de 30 mil cabeças. O comercio dos animais foi crescendo até chegar a mais de 100 mil entre 1855 a 1860, época em que as primeiras estradas de ferro começaram a entrar em operação.

Em seus relatos de viagem, Bunbury ressalta que “até mesmo a grande linha de comunicação entre o Rio e a região das Minas não é acessível a qualquer espécie de veículos. Consequentemente, todas as mercadorias têm que ser levadas por mulas ou cavalos. As melhores estradas são ruins: na estação chuvosa são quase intransitáveis, e é comum os viajantes ficarem parados por muitos dias, por causa do transbordamento dos rios. A viagem pra Ouro Preto, uma distância de poucos mais de 300 milhas, raramente é feita em menos de 15 dias.

Foi no porto de Santos, e transportado sacas de café, que as mulas fizeram historia. Em 1858, Segundo relato do governador José Joaquim Fernandes Torres, o tráfego entre São Paulo e Santos era de 25 mil bestas e “200 e tantos carros” por mês. Para se ter ideia do volume de café exportado por São Paulo, somente em 1851 a 1852 foram despachadas 1,3 milhão de arrobas do produto (cada 5 arrobas preenchem uma saca). O pastor metodista James Fletcher e o missionário Daniel Kider descreveram em 1857, no livro O Brasil e os brasileiros, que os cargueiros geralmente descarregavam açúcar e outros produtos agrícolas e voltavam carregados de sal, farinha e outras mercadorias importadas.

A era das mulas, que nasceu com o ouro e possibilitou também os ciclos econômicos do açúcar e do café em São Paulo e na Baixada Fluminense, terminou com a chegada do trem. As estradas de ferro tomaram como referência os antigos caminhos percorridos pelas tropas.O lombo animal foi sendo gradualmente substituído pelo metal dos enormes vagões – embora o transporte muar persistisse até a década de 30 no norte mineiro, no transporte de carvão para os fornos siderúrgicos. Mas a lápide muar pede uma data para o fim de seu ciclo, o ano de 1875 pode ser considerado o marco simbólico do fim de uma época , em virtude da inauguração da Estrada de Ferro Sorocabana, responsável pelo fim da Feira de Sorocaba. Até P.21

O trem

“Movida a vapor, a engenhoca desengonçada e pesada apareceu pela primeira vez em ‘804, mas só caiu nas graças de empresários e donos de minas quase 30 anos depois (por Arryane Cararo). Era 21 de fevereiro de 1804 quando uma máquina estranha foi posta em caminho de trilhos em Penydarren, vilarejo no País de Gales. O artefato, que à primeira vista lembrava um canhão com rodas, visto de perto, não passava de uma caldeira deitada e apoiada em quatro rodas dentadas. Seguida por cinco vagões carregados com 10 toneladas de carvão, 70 passageiros e os olhares de centenas de curiosos, a geringonça lentamente criou vida e, expelindo fumaça, tomou rumo de abercynon, movendo –se sem o auxilio de cavalos ou qualquer outra força animal.

Chegou quatro horas depois ao destino, após vencer um percurso de 14,5 km e protagonizou nesse trajeto um dos maiores acontecimentos históricos: o nascimento do trem. A precária e desengonçada locomotiva, uma invenção do britânico Richard Trevithick (1771- 1833), na verdade não tinha grandes segredos. Filho de engenheiro e acostumado a ver o trabalho dos mineiros desde criança, Richard limitou-se a unir os princípios das máquinas a vapor, que bombeavam água para fora das minas, com os trilhos de ferro fundido que ajudavam a deslizar a carga de minérios puxada pelos cavalos. Não é por acaso, portanto, que esta invenção chegou a ser apelidada de “cavalo mecânico”. P 22

Muitas pessoas viram no emprego dos trilhos de ferro e do vapor a resposta para o escoamento rápido de mercadorias e minérios. P. 25 Os princípios que tornaram possível o surgimento da locomotiva, remontam a mais de 18 séculos antes de Richard demonstrar publicamente a utilidade de seu invento. Tudo começou em 120 a.C, com um invento egípcio para aproveitamento do calor gerado pelo aquecimento da água. Mas foi só no final do século XVII que o físico francês Denis Papin, conhecido como o “pai da panela de pressão”, conseguiu aproveitar a força gerada pelo aquecimento da água , capaz de movimentar peças, para construir a primeira máquina fixa a vapor. Criou assim uma bomba centrifuga a vapor, usada em 1689 para elevar a água de um canal entre Kassel a Karishaven.

O trilho

‘O trilho como utilizado até os dias de hoje foi criado em 1830 por Charles Vignoles, engenheiro inglês responsável pelo traçado da primeira ferrovia do mundo (Manchester – Liverpool), e que anos mais tarde assumiu a supervisão da quarta ferrovia brasileira, a Bahia anda São Francisco Railway (1860). Rapidamente, muitos viram nos trilhos e no vapor a resposta para o escoamento rápido de mercadorias e minérios. Entre eles, o filho de um mineiro, que começou a trabalhar ainda criança nas minas e que só aprendeu a ler e escrever aos 20 anos de idade, George Stephenson.

Foi esse mecânico inglês que, em 1814, apresentou a locomotiva Blucher, já sobre o sistema de aderência aos trilhos, que foi usado para colocar oito vagões com 30 toneladas de carvão das minas de Killingsworth, a uma velocidade de 6,5 km/h. Foi necessário que Stenphenwon convencesse o novo empresário de que ali estava o progresso para que, em 1822, Edward Pease e Michael Longridge ajudassem a financiar a primeira fábrica de máquinas a vapor , a Robert Stephenson & Co (nome do filho de George) P 26

Em 1825, uma locomotiva inglesa puxou um comboio de 21 veículos – vagões cheios de carvão e carros de passageiros – por 36 km.

Café e Transporte

(Por Myoko Makino) — O café pede passagem. A economia cafeeira desenvolvida às custa do trabalho escravo e, mais tarde, dos imigrantes, colocou em xeque o frágil sistema de transportes, gerou riquezas que fizeram as cidades e os meios de circulação se modernizar e propiciou o surgimento de novas camadas sociais. No bolso da casaca de um sargento-mor, o que mais tarde seria conhecido como “ouro verde” chegou quase por acaso ao Brasil.

Por muitos anos, os arbustos germinados pelas sementes contrabandeadas da Guiana Francesa, no inicio do éculo XVIII, ficaram restritos aos quintais e pequenas chácaras do Norte e Nordeste, até começarem a percorrer os caminhos que levavam ao Sul. Em terras fluminenses, e mais tarde nas paulistas, encontraram condições favoráveis para chegar à condição de principal produto de exportação brasileiro em fins do século XIX. O café que chegou quase incógnito, acabou sendo um dos principais agentes de transformação da sociedade brasileira no período imediatamente anterior, e também no imediatamente posterior, ao advento da República.

Foi a economia cafeeira que elevou o país ao titulo de produtor agrícola por excelência no panorama internacional, introduziu a mão-de-obra imigrante em seu plantio e exigiu a modernização dos costumes, e dos transportes. Sem ele, o trem não teria apitado tão forte pelas terras paulistas e a capital , São Paulo, dificilmente teria hoje a condição de megalópole. Em 1826, o Império do Brasil exportava cerca de 20% do café comercializado no mundo – e, a partir dessa data, o consumo do produto e a participação brasileira no mercado global não pararam de crescer.Em terras paulistas, a economia cafeeira exigia um transporte que fosse não apenas mais veloz que os burros e mulas, mas também mais barato. A resposta, concretizada em 1867, foi a construção de ferrovias. Até a P. 34

“O desenvolvimento das ferrovias no Brasil foi intimamente atrelado à difusão do plantio do café e, sobretudo, a sua exportação, o que explica as peculiaridades da expansão de nossa malha ferroviária”

Era um grande negócio, para investidores nacionais e estrangeiros, construir estradas de ferro no Brasil. É que o governo assegurava, com base na legislação de 1857, juros de 7% sobre o custo estimado da ferrovia. Assim, a companhia sabia que, independentemente do resultado, o investimento teria um retorno garantido. Se trabalhasse com déficit, receberia a diferença; caso o saldo fosse superior a 8%, repartiria o excedente com o Estado, e se excedesse a 12% por três anos, deveria reduzir as taxas cobradas. O privilégio dos juros garantidos vigorava pelo prazo de concessão da ferrovia, que oscilava entre 50 a 90 anos.No final dos primeiros 30 anos, no entanto, o governo se reserva o direito de resgatar a empresa, pagando conforme o estipulado no termo de concessão.

A garantia de juros não era a única vantagem que beneficiava as companhias. Somavam-se a ela, subsídios para importação de trilhos, máquinas, instrumentos, gratuidade no transporte de carvão, etc. A companhia obtinha também um privilégio especial: o de poder explorar, por um prazo de até 90 anos, as terras “vizinhas” à ferrovia, por onde não passaria nenhuma estrada alternativa – uma área de até 30 Km, de cada lado dos trilhos e em toda a sua extensão.

A esses privilégios se acrescentavam o direito ao uso de madeiras e o de desapropriação até mesmo de minas de carvão, areia ou pedreiras. As empresas ganhavam ainda a concessão para lavrar e aproveitar as eventuais minas e as pedras preciosas, ouro ou qualquer metal que fossem descoberto nas análises preliminares ou nos trabalhos definitivos da estrada de ferro.

Alguns dos privilégios oferecidos às ferrovias estrangeiras eram comuns em todo o mundo, e haviam sido introduzidos em primeiro lugar na própria Inglaterra. A primeira experiência com o sistema de garantia de juros, no entanto, foi realizada pela Rússia. A inovação brasileira, e que depois seria adotada por outros países, era a concessão de uma zona privilegiada: em uma extensão de 5 léguas (aproximadamente 30 Km), no sentindo de cada lado do eixo da linha.

Em terras paulistas, as ferrovias foram construídas predominantemente pelo capital nacional (por vezes com financiamento externos) e, no norte e sul do país, pelo capital estrangeiro. Das ferrovias do café, coube aos ingleses à construção da mais importante e lucrativa de todas – a Estrada de Ferro Santos – Jundiaí, construída pela São Paulo Railway Company na década de 1860. Para ela convergiam, varias ferrovias do interior de São Paulo, e foi ela que levou o café até o porto de Santos, tornando seus 139 km decisivos, desde 1868, para a cafeicultura paulista. (Por Ana Célia Castro).

Os Barões do Café

– Poder, prestígio e memória. Extremamente poderosos, em virtude da riqueza proporcionada pelo cultivo do café, os grandes produtores rurais buscavam nos títulos honoríficos de nobreza concedidos pelo imperador Pedro II a ratificação e a afirmação pública de suas conquistas. (Paulo Cesar Garcez Marins). Ainda hoje, a simples menção da expressão “barões do café” traz à mente a sensação de prestigio e importância econômica de um grupo social, cuja memória sobrevive, mais de um século depois do fim do regime imperial.

Ricos fazendeiros, proprietários de milhares de cafeeiros e escravos, mas também empresários donos de colônias de imigrantes, bancos – e ferrovias -, esses homens foram agraciados por dom Pedro II com numerosos títulos de nobreza, criando um mito de riqueza e projeção social. Outros tantos fazendeiros receberam comendas das ordens de Cristo ou da Rosa, outras ainda apenas patentes da Guarda Nacional. Todos se encaixam, incluindo os viscondes e condes, na denominação de “barões do café”, expressão que sintetizou sua grandeza e foi sinônimo de sua fortuna e distinção social. Ser um poderoso senhor de engenho ou fazendeiro de café já não bastava como forma de distinção social – era preciso também ser barão.

Havia várias diferenças muito significativa entre os títulos de nossos nobres e aqueles dos países europeus. A primeira das quais era o fato de que esses títulos não podiam ser transferidos por hereditariedade. Esta característica é essencial para que se compreenda a diferença básica existente entre os títulos nobiliárquicos brasileiros e a idéias de “nobreza” no Velho Mundo, cuja legitimidade derivava de longínqua transmissão de títulos pelas sucessivas gerações de uma mesma família da aristocracia. Outra diferença relevante é que esses títulos não estavam vinculados nem à posse de terras nem a direitos feudais. O titulo de barão de Taubaté, por exemplo, não tornava esta cidade paulista um baronato, nem implicava obrigações de seus moradores para com o nobre titulado.

“Empresários modernos, incentivadores do trabalho livre e da expansão ferroviária: assim eram os barões do prospero Oeste Paulista…

Os primeiros golpes à nobreza do café foram certamente o colapso da escravidão em 1888 e a derrubada do Império no ano seguinte. Os fazendeiros e titulares do vale do Paraíba fluminense foram os que primeiro caíram, antes mesmo da crise escravagista. Poucos seguiram o exemplo do grupo Teixeira/Leite/Leite Ribeiro, cujo membro mais proeminente foi o barão de Vassouras. Parte substancial da fortuna familiar foi deslocada para os negócios e finanças sediados na Corte, escapando da erosão do solo que se abateu sobre quase todo o vale fluminense na segunda metade do século XIX. P 46

A maior parte dos fazendeiros de Vassouras, Valença, Piraí, Rezende ou Cantagalo, entretanto, apegou-se às suas fazendas e ao capital aprisionado nos corpos escravos. A crise gerada pela abolição não foi suficiente para desarticular imediatamente a produção cafeeira, visto que o porto de Santos só ultrapassou o do Rio de Janeiro em volume de sacas de café exportadas, em 1894. Mas, nos anos seguintes, quase todas as famílias dos “barões de café” já tinham falido.

Mas nem todos os nobres enfrentaram a crise de fins do Império. A conversão do modo de produção escravagista para a mão-de-obra livre, estimulada pela imigração, deu sobrevida muito maior aos “barões do café” do Oeste Paulista. Além de diversificarem os braços da lavoura, muitas famílias souberam ingressar em outras atividades tecnológicas do século XIX, a ferrovia. As extensivas áreas cultiváveis da fronteira agrícola ocidental paulista puderam ser voltadas à cafeicultura com muito maior rapidez e baixo custo mediante a formidável malha ferroviária iniciada pelos ingleses e expandida rapidamente por grupos de fazendeiros , mediante inversão de capital próprio.

Antônio Carlos de Arruda Botelho, que recebeu do imperador os títulos sucessivos de barão, visconde e conde de Pinhal foi um desses cafeicultores que souberam diversificar seus investimentos em direção ao negocio dos transportes ferroviários. Associado a seu sogro, o visconde de Rio Claro, o conde do Pinhal estendeu os trilhos pra além de Rio Claro, passando por São Carlos e atingido as férteis terras dos sertões de Araraquara. Tal investimento, além de facilitar o escoamento de suas próprias sacas, ainda obtinha altos lucros transportando a produção regional, bem como passageiros e mercadorias que chegavam àquelas paragens do interior Paulista.

As ferrovias Paulista, Sorocabana, Mogiana ou Araraquarense são outros exemplos de investimentos ferroviários dos ricos fazendeiros do chamado Oeste Paulista, que mantiveram a fortuna durante as quatro primeiras décadas da República. Para eles, cada vez mais , o titulo de “barão do café” era um apelido, conferido não mais por dom Pero II, mas pelo poder, prestigio político e, sobretudo, pela riqueza econômica. O titulo ganhava outros sentidos, guardando, entretanto, a memória aristocraticamente herdada do Império.

A crise de 1929 pode ser considerada o golpe de misericórdia nas velhas elites cafeicultoras originadas no Império, tituladas ou não, monarquistas ou republicanas. Os descendentes das antigas fortunas fazendeiras encontraram na decadência da bolsa de Nova York a desorganização de suas finanças, a impossibilidade de saldar hipotecas e a queda vertiginosa dos preços do café. Poucos sobreviveram, num mundo em que o sucesso individual e a dinâmica nos novos investimentos era um mérito bem mais considerado que os títulos dos ancestrais. As fazendas de café perdiam definitivamente o prestígio de outrora e a era dos “barões do café” também chegava ao fim.

Barão de Mauá

O personagem – símbolo da era da indústria no Brasil. Primeiro self-made man brasileiro, Irineu Evangelista de Souza foi o maior empreendedor do Império, contribuído enormemente para engatar o Brasil nos trilhos do progresso. (Por Alfio Beccari). No livro “Da Terra à Lua”, o consagrado escritor Júlio Verne listou 20 grandes organizações financeiras internacionais, entre as quais um certo Banco Mauá, instalado em três capitais sul-americanas: Rio de Janeiro, Buenos Aires e Montividéu.

Lá estava o banco brasileiro ao lado de potentados do mundo financeiro da época como o Rothschild, de Viena e Londres, o Crédito Holandês, de Amsterdâ e o Mendelssohn, de Berlim. Ao elaborar a lista, o escritor fazia uma espécie de convite aberto a quem quisesse, em qualquer parte do mundo, participar do financiamento de uma ousada aventura espacial: a conquista da Lua. Verne se tornou celebre por sua maestria em misturar ficção e realidade. Chegar à Lua, naquela época, era pura ficção. Os potenciais financiadores, porém, eram reais.

Com os pés firmemente fincados no chão, o empresário Irineu Evangelista de Souza ajudou o Brasil agrícola e paternalista a dar os primeiros passos em seu desenvolvimento industrial e capitalista.

Sem o saber – pelo menos sem o saber com clareza, Júlio Verne depositava no fundador e dono do banco Mauá, o brasileiro Irineu Evangelista de Souza, a confiança de quem reconhece o espírito empreendedor e visionário, tão adequado aos planos futuristas do escritor, festejado como arauto de grandes descobertas científicas e conquistas tecnológicas. A história provou isso. Verne, em seus livros, não só conquistou a Lua, mas inventou o submarino, viajou às profundezas da Terra e deu a volta ao mundo em um balão.

Mauá tinha espírito semelhante ao de Verne. E, de certa forma, foi além. Sua ousadia e destemor não se limitaram aos livros de ficção ou ao domínio da imaginação. Com os pés firmemente fincados no chão, ele ajudou a transformar o Brasil agrícola e paternalista num país industrial e capitalista. É certo que o chão onde fincava os pés era, no começo, muito pouco sólido. O Brasil colonial em que nasceu dormitava sob o jugo português. Pôs-se de pé apenas no Primeiro Império, só iniciando sua caminhada como nação do Segundo Império em diante e deslanchando na República.

As proezas de Mauá impulsionaram a historia do Brasil. Assim, não por acaso, ele é ainda hoje celebrado como o patrono dos transportes, pois foi ele quem construiu a primeira estrada de ferro nacional, antes mesmo da antiga Central do Brasil, e implantou o primeiro estaleiro naval do pais, em Niterói, no Rio de Janeiro. Além disso, Mauá criou uma empresa de navegação a vapor no rio Amazonas, para evitar a internacionalização da região, da qual já se falava na época.

Construiu também a primeira fabrica de gás do país, instalando uma rede de iluminação pública com mais de três mil lampiões públicos e outros tantos terminais residenciais na cidade do Rio de Janeiro. Criou um sistema de bondes sobre trilhos, puxados por burros, e instalou fundições, para livrar o Brasil das dispendiosas importações de máquinas pesadas.

Mauá não via limites. Espírito inquieto, fez o Brasil passar da fase agrícola à industrial e depois, não contente, mergulhou no mundo das finanças. Nesse campo, sua maior façanha foi a criação do Banco Mauá que, com a pardce3ria de financistas ingleses, marcou sua presença em importantes capitais do sul do continente, as já citadas Buenos Aires e Montevidéu, também da Europa, como Londres e Paris, e nos Estados Unidos, onde operava com o nome de Banco Mauá, Mac Gregor & Cia. .

Filho de família pobre do interior do Rio Grande do Sul, órfão aos nove anos de idade, deixou a pequena cidade Arroio Grande, sua terra natal, e foi embarcado para o Rio de Janeiro pelas mãos de um tio, capitão do navio que transportava para a capital do Império o charque produzido no Sul. Empregou-se como caixeiro num estabelecimento de um rico e esperto comerciante português, João Rodrigues Pereira de Almeida,com quem aprendeu os primeiros truques para progredir, na compra e venda de mercadorias. Aprendeu depressa também que o futuro do Brasil não estava no campo. A iniciação no comercio deu-lhe visão aguda para o exterior, fazendo-o esquecer as fazendas de sua infância e o sistema escravista.

Ninguém podia imaginar, naquela época, que aquele pirralho franzino e calado viria a se tornar depois um industrial, banqueiro e magnata conhecido e respeitado no mundo inteiro, deputado pelo Rio Grande do Sul, dono de 17 empresas com filiais em seis países, e que , em breve tempo, acumularia ativos em valor superior ao orçamento do Império. De fato, no inicio da segunda metade de 1800, suas empresas valiam 115 mi contos de réis, contra os 97 mil contos de réis do orçamento do governo.

Sabotagens em suas indústrias, a grave crise econômica provocada pela Guerra do Paraguai e a especulação de investidores estrangeiros golpearam o barão de Mauá, que pediu moratória em 1873. Mauá foi sabotado. Um incêndio destruiu a Ponta da Areia, que ele a custo construiu. O governo reduziu drasticamente as taxas alfandegárias, estimulando a importação e criando uma concorrência desleal com os industriais brasileiros.Mauá não teve outra saída senão vender seus negócios para os ingleses. No campo político, suas posições liberais e abolicionistas, além de sua oposição à Guerra do Paraguai, criaram desconfiança e irritação entre membros do governo. A primeira grande crise econômica do Segundo Império, provocada pela Guerra do Paraguai e pelas especulações de investidores estrangeiros, o atingiu em cheio.” P. 61.

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